Estamos em 2001. Realiza-se, no Rio de Janeiro, mais uma edição do Rock in Rio. A multidão espera, ansiosamente, a apresentação do Guns N’Roses. Mas, antes, sobe ao palco Carlinhos Brow, para a revolta dos roqueiros presentes, que cobrem o músico baiano de garrafas e vaias.
O ano agora é 2011. O empresário Elídio Queiroz, pré-candidato a prefeito de Jardim de Piranhas, presenteia os jardinenses com uma festa no CAP. Iniciado o evento, alguns forrozeiros presentes, muitos já entorpecidos pelo álcool, consumido à vontade desde as primeiras horas do dia, vaiam a banda Trepidant’s, incomodados, provavelmente, com as belas baladas românticas, sucessos inesquecíveis da atração pernambucana.
As duas vaias, mesmo que separadas por dez anos, ressoam, uníssonas, num mesmo cenário de intransigência e desrespeito. Guardadas as devidas proporções, a Cidade do Rock e o CAP, em vez de assistirem a noites de música e alegria, presenciaram, estupefatos, demonstrações antidemocráticas e egoístas.
Este blogueiro não participou dos festejos natalícios do empresário Elídio Queiroz. O que escrevo agora é baseado em relatos ouvidos de quem presenciou os fatos. Entretanto, não é difícil descobrir o motivo da revolta com a banda Trepidant’s. A massa presente ao CAP fora para lá com a intenção de ouvir canções do quilate de “Lapada na rachada”; “Beber, cair, levantar”; “Parar meu carro na frente do cabaré”; “Zé priquito”; “Dinheiro na mão, calcinha no chão”; “Raparigueiro”; “Fogo no facho”; “Dança da piroca torta”; “Abre a mala e solte o som” etc. Nada mais natural, portanto, que não desejassem ouvir canções românticas e, ainda por cima, cantadas em inglês!
Ressalte-se que a ideia de se contratar os Trepidant’s partiu de quem financiava a festa, ou seja, o aniversariante. Este, muito possivelmente, aprecia “Remember me”, “All Love”, “My flaming Love”, dentre outros memoráveis sucessos da banda nos anos de 1970. A vaia, portanto, também o atinge. Esse fato demonstra, com clarividência, que vivemos, nesta segunda década do século XXI, a ditadura do forró de plástico. Aviões do Forró e Garota Safada viraram ícones, ditando, com suas letras de gosto duvidoso, um modo de vida que segrega quem vê o mundo com outros olhos. Vaiam-se não apenas os músicos de estilos diferentes, mas, também, todos aqueles que os apreciam. Eu mesmo, inclusive, já fui chamado de “idiota” apenas porque assistia a um DVD de Roupa Nova.
A vida em sociedade impõe alguns sacrifícios, dentre os quais conviver com gostos e ideias diferentes dos seus. Querer impor, a todo custo, suas preferências aos demais não é o comportamento esperado de pessoas civilizadas. Vaiar uma banda que não toca o que se deseja ouvir destoa desse comportamento. Poder-se-ia, perfeitamente, retirar-se do local. É o que costumo fazer quando alguém começa a vomitar palavras e expressões chulas, em alto volume. Não me é dado o direito de, sob o efeito do álcool, apupar as bandas de forró. Afinal, alio-me ao entendimento de João Gilberto, para quem “vaia de bêbado não vale”.